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Dilma Rousseff foi vítima de um golpe de estado maquiavélico

Artigo de Marilza DE MELO FOUCHER publicado em francês, dia 05 de setembro 2016 – Blogs Mediapart
Traduzido por Valeria Lima Salem

A presidente Dilma Rousseff cometeu um crime de responsabilidade? De acordo com o grande jurista brasileiro Dalmo Dallari a resposta é NÃO. A destituição é, antes de tudo, política porque a « pedalada », esta acrobacia contábil foi usada impunemente por seus antecessores, não caracteriza um crime de responsabilidade pois não há prejuízo para o erário público.

A « pedalada » é um artificio contábil, mas o dinheiro não sai dos fundos públicos, não é caracterizado como um desvio de fundos públicos. Em entrevista ao « Diário de Brasil » no dia do impeachment de Dilma Rousseff, o advogado Dallari disse que a votação para a destituição mantendo os direitos políticos de Dilma Rousseff mostra que o Senado nunca foi capaz de provar a responsabilidade fiscal, que não houve nenhum crime e que isso denota a fragilidade do processo.

O presidente da Associação dos Juízes do Brasil para a Democracia (AJD), André Bezerra, disse após a cassação do mandato da presidenta Dilma Rousseff, que a associação considera a votação no Senado como « completamente ilegítima ». Para ele, o processo de acusação « ignora completamente a natureza legal que deveria ter, e que o voto foi puramente político ». Para o ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Marcelo Lavenère, a destituição da presidenta Dilma Rousseff é « uma das páginas mais tristes » da história do Brasil. Trata-se da crônica de uma morte anunciada. Segundo Lavenère, a votação no Senado, que pôs fim ao mandato da presidenta mantendo seus direitos políticos, é uma tentativa de passar um pouco de verniz em cima de uma ilegalidade.
No entanto, a acusação mais violenta contra o golpe veio do ex-presidente do Supremo Tribunal Federal no Brasil Joaquim Barbosa, que comparou esses partidos políticos a « facções » que tomaram o poder para se proteger e continuar a roubar.

Assim, o Brasil vai viver dois anos sob uma anomalia institucional. Para o diplomata Samuel Pinheiro Guimarães, o país sofreu um golpe de Estado orquestrado pelas classes hegemônicas. Segundo ele, o Senado rejeitou não só a presidenta Dilma Rousseff, mas seu plano para o país. Para o ex-ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos, o novo governo não irá considerar questões como a desigualdade social porque só pensa no « mercado ».

Os conspiradores não querem ouvir o termo « golpe », especialmente para criar uma imagem de normalidade institucional no plano internacional. Mas, então, como nomear um processo no qual uma chefe de Estado eleita democraticamente é demitida de suas funções com uma justificativa legal duvidosa? A verdade é que a maioria dos senadores conservadores nunca aceitaram que uma ex- « guerrilheira » tenha chegado ao poder no Brasil. O Brasil é um país conservador, de cultura ultramisógina e Dilma Rousseff, desde o início de seu primeiro mandato, não foi poupada pela mídia, que a perseguiu com comentários e piadas de extrema violência sexista. Ela também foi condenada como mulher.

A presidenta Dilma Rousseff foi alvo de uma vasta e permanente campanha de desestabilização. Reeleita com mais de 54 milhões de votos, sua eleição foi considerada pela oposição e pela mídia como uma derrota. A oposição nunca a aceitou. Os setores mais conservadores da sociedade brasileira e os partidos de direita sempre tiveram o apoio incondicional do quarto poder: a imprensa do Brasil. Com o apoio dela e também dos conservadores do poder judiciário, uma mulher honesta foi sacrificada. A mídia brasileira transmitiu a imagem de uma presidente envolvida em escândalos de corrupção, em posição de acusada. Infelizmente a corrupção é endêmica no Brasil, está em todos os lugares e não é exclusiva da classe política! Foi sob o governo de Dilma Rousseff que a luta contra a corrupção se intensificou. A presidente do Brasil fez da « cultura da transparência » seu principal cavalo de batalha. É por isso que ela foi destituída! Gravações reveladas demonstram a verdadeira razão para o golpe praticado contra a democracia e contra o mandato legítimo de Dilma Rousseff. Nestas gravações, o senador Romero Jucá do PMDB (partido do atual presidente Temer) propõe « um pacto » envolvendo o impeachment da presidenta Dilma Rousseff para abafar o caso Petrobras, no qual ele próprio é visado: « A destituição é necessária », disse ele. « Não há outro caminho. Temos de resolver esta merda. Precisamos mudar o governo para estancar a sangria. Precisamos de um acordo, um grande acordo nacional, e colocar Michel Temer no poder. »

O objetivo era mesmo frear as investigações de corrupção na Petrobras para “colocá-las debaixo do tapete », respondeu o ex-ministro de esquerda Ricardo Berzoini. Este golpe de estado parlamentar foi feito sob a pressão dos meios de comunicação e uma parcela conservadora do poder judiciário. Para os brasileiros que elegeram Dilma Rousseff por meio do sufrágio universal, a democracia acaba de ser mutilada. O Senado condenou a presidenta Dilma Rousseff – por decisão da maioria – sem realmente demonstrar que ela tinha cometido um crime. Uma coalizão de parlamentares corruptos tomou a decisão que entra para a história das grandes injustiças. A presidente Dilma Rousseff foi destituída, mas permanecerá na história como vítima de um golpe de Estado parlamentar e como uma grande dama da resistência. Ela não era obrigada a se defender diante dos senadores determinados a eliminá-la. « Eu vim para olhar os senhores nos olhos, senadores, e dizer que (…)não cometi os crimes pelos quais sou arbitrária e injustamente acusada ». Ela enfrentou um parlamento composto por uma maioria de corrompidos transformados em juízes. Durante 15 horas seguidas, apesar do cansaço, ela respondeu calmamente, mas com firmeza, cada uma das intervenções dos 48 senadores. Ao contrário de seus detratores, ela não está pessoalmente ligada a qualquer acusação de corrupção ou desvio de fundos, mas por acrobacias contábeis empregadas impunemente por seus antecessores.

Infelizmente a justiça no Brasil é lenta, o que atrasa a condenação de parlamentares brasileiros, incluindo os 58,1% – de acordo com a ONG Transparência Internacional – que têm – ou tiveram -problemas com a justiça em casos de corrupção. No entanto, por causa de sua imunidade, os parlamentares não respondem criminalmente por seus atos perante o STF – O Supremo Tribunal Federal – que não parece tampouco tão ansioso para julgá-los. São estes mesmos parlamentares que foram autorizados pelo mesmo tribunal para se tornarem juízes e condenar uma presidente inocente. E, nesse caso, para cassar o mandato de Dilma Rousseff, o processo não se arrastou.

A demissão de Dilma é um imbróglio político e jurídico maquiavélico, e abre um período de instabilidade política no Brasil. As bases democráticas da nação brasileira estão em risco. A questão do golpe de Estado parlamentar no Brasil não está isolada do contexto internacional da crise do capitalismo financeiro. Houve um questionamento das políticas neoliberais quando as grandes potências viram as economias entrarem em colapso a partir de 2008. Ainda que o neoliberalismo tenha sido o grande responsável, a ideologia não foi varrida pela crise porque provoca uma reorganização e os Estados intervieram para evitar a depressão e a falência do sistema. Keynes foi rapidamente ressuscitado e rapidamente enterrado. O continente sul-americano não poderia seguir outro caminho fora do neoliberalismo …

Michel Temer, que nunca conseguiu ganhar uma eleição no Brasil, é muito impopular e ávido de poder e de vingança. Ele é a melhor escolha para implementar um projeto de « Estado neoliberal » para o país. Em menos de uma semana depois de tomar o poder interinamente, ele desmantelou todos os programas de inclusão social relacionados a direitos humanos, moradia, educação, saúde e trabalho. Isto representa uma enorme injustiça para com os pobres. Estes programas de inclusão social haviam moldado a reputação de Lula e Dilma na cena internacional.

Reafirmando a sua inocência, Dilma deixou a Presidência da República com a seguinte declaração: « A história será implacável com eles », em um discurso incisivo defendendo a continuidade da luta pela construção de « um Brasil melhor. » « Nada nos fará recuar”, ela disse. “Eu não vou dizer adeus, estou até certa que eu posso dizer até breve. Voltaremos para continuar este caminho a serviço do Brasil, um país cujo povo é soberano. » Ela acrescentou: « Eles vão ter a oposição mais determinada que pode existir frente a um governo nascido de um golpe. »
A primeira mulher presidente do Brasil lutou e continuará a lutar para defender o Estado de direito e da democracia. O « golpe » parlamentar permanecerá guardado na memória da história política brasileira e Temer sempre será considerado um presidente ilegítimo.

Eu gostaria de compartilhar com o público Mediapart esta outra visão, talvez diferente da imprensa francesa. Com poucas exceções, os correspondentes franceses no Brasil preferiram fazer um copiar/colar sem fazer análise política. Difícil saber se é falta de informação sobre a complexidade política do Brasil ou desconhecimento da parcialidade da mídia brasileira. Isto contribuiu para distorcer a percepção da realidade da política brasileira na França.

Marilza Melo Foucher, Doutora em Economia (Sorbonne) trabalhou em cooperação internacional na França, atualmente jornalista e blogueira, colabora com Mediapart e, no Brasil, com o Correio do Brasil, jornais do Rio de Janeiro e Brasil 24/7 – São Paulo.

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